23 outubro, 2010

Dos abismos...

Por estar sem graça correu pra janela, e por estar ali percebeu quais vizinhos estavam acordados, também uma árvore que crescia de um telhado e porque o Cristo tava roxo. Queria olhar pra tudo, menos pra dentro do quarto, porque tava com vergonha. Aliás, queria olhar pra tudo, menos pra ela própria, talvez também porque tivesse vergonha... Era vazio, um abismo dentro de si mesma.
Se jogou na cama, a janela ainda escancarada, os ouvidos gostavam; mas ainda estava sem graça. –É preciso acabar com o abismo.
Foi isso então, achou que ele podia acabar com seus abismos, mas não. Ninguém pode acabar com eles, a não ser você mesmo. E nos dias de hoje tem muita gente por aí com verdadeiros desfiladeiros por dentro...
Ah, essa mania de achar! Achou que podia, achou que devia, achou bacana... Tenho que parar com os achismos, assim paro também com as minhas expectativas e paro de jogar expectativas em cima de tudo e todos. Enquanto isso, monto uma corda e brinco de bungee jumping no meu abismo particular!

22 outubro, 2010

Palazzo Podestà



Eu tenho meu lugar favorito no mundo e não, não tenho uma foto sequer dele. Tinha muito tempo que não lembrava de lá. Acordei com isso remoendo na cabeça, queria rever.

Conheci esse lugar por acaso, andando muito por Genova (surrealmente Itália), num dia de calor insuportável com as minhas havaianas e com o Matt. A rua que a gente andava ficava por perto da praça mais famosa de lá, onde tem um chafariz de proporções animalescas. Os prédios dessa rua imitavam o chafariz, tomavam quarteirões e eu perdia as contas com as janelas. Num desses prédios, a porta estava escancarada e acho que foi a beleza do prédio que pegou nosso olhar, mas sabe quando você passa, olha e volta? Foi isso, passei e voltei. -Espera! Olhando pra dentro do prédio lá no fundo de um corredor escuro, mas tão escuro de não se saber o que tem dentro, um foyer a céu aberto. Não se sabia se podia entrar ou não, mas foi magnético, os dois cegos por tudo aquilo. Atravessamos o corredor e no final dele, inesperadamente meu lugar favorito, a fonte. Uma fonte gigantesca, com deuses irados, com verde subindo pelas paredes, de um cinza estranho e um peixe dourado, só um. Sozinha, tão sozinha. Minha. Foi minha por aqueles minutos. Meu lugar. Meu lugar inesperado. Livre de turistas, de italianos, livre até dos pombos.

Não vou mentir, claro que eu tirei fotos, até porque eu não sou louca de perder aquilo. Não de propósito. O azar? Não tirei fotos na minha câmera e agora as coisas da vida simplesmente não permitem pedir as fotos de volta.

Dois anos depois, acordei ligando o computador ao mesmo tempo que colocava meu café com leite pra esquentar no microondas. Querendo achar o tal lugar, querendo ver de novo. Não lembrava nome de rua, do prédio, não lembrava de nada. Comecei a pesquisa por, em inglês, fonte Genova prédio, pensando que ia ser impossível achar. Aos tropeços cheguei ao blog de uma senhora inglesa que viaja com o marido pelo mundo. Ali, no meio de tantas fotos, “one hidden fountain”. Ela, a minha fonte! Com o nome da rua, porque era a mesma rua do hotel deles. Daí pra conseguir o nome do prédio foi um pulo. Digo mais, parei até no google maps pra ver “pessoalmente” o lugar por satélite.

Coordenadas: Via Garibaldi, Genova – Itália. Palazzo Podestà, construído em 1563, vendido para Baronesa de Podestà, hoje em posse do governo local.

Prazer em te conhecer, de novo!

20 outubro, 2010

ela

Satisfação do estômago cheio depois do almoço, a casa em absoluto silencio, a não ser pelo barulho do rádio do vizinho lá no fundo, meu quarto escuro, o estranho vento frio que se embrenha pelos buracos do ar condicionado, a gata dorme, as duas aliás... Também quero dormir. Queria ter a paz do animal quando esse mesmo dorme. Meu sono é pesado, é intenso, meu sono é quase um acordar. Sempre acordar... Preciso dar um jeito pra vida com esse negócio de sono. Preciso aprender a desligar. Não pensar. Ter calma.

Já não quero mais ir, mas que remédio? Também não quero ficar. Há muito ela já está aqui. Aliás, gruda em mim, vive grudada. Não ligo muito, mas ela gruda. É grande, sem cara, calada, mal humorada, por vezes irônica e veste escuro. Sabe aquele tipo de gente que mesmo você ignorando, incomoda? Assim é essa coisa pra mim, assim é saudade (Veja bem que nem faço questão de colocar a letra maiúscula, pra tentar diminuir a importância). Ela vive na minhas coisas, dentro do meu quarto, nas minhas bolsas, na minha janela, nos meus cigarros, senta na minha poltrona e me observa. Tenho quase certeza que quando faz isso solta um riso de lado a cada revirada que eu dou na cama. Admito, ela me domina.